As relações humanas estão mudando, e não apenas porque agora trocamos abraços por mensagens de voz ou conversas por emojis. Estamos falando de algo mais profundo: o surgimento de vínculos afetivos reais com inteligências artificiais. O episódio "Intimidades Sintéticas", do podcast Vibes em Análise, mergulha nessa discussão e mostra o quanto o que parecia futurista no filme Ela (Her) de 2013, já é parte do nosso presente.
Estudos recentes da Universidade de Stanford indicam que o cérebro humano começa a modular empatia a partir de expressões faciais mínimas, algo que nenhuma IA, por mais avançada que seja, consegue reproduzir com autenticidade. O risco aqui não está só em substituir o vínculo, mas em atrofiar os mecanismos biológicos que o sustentam.
Mas o que acontece quando, em nome da conveniência, abrimos mão do estranhamento essencial que forma o tecido das relações humanas?
Segundo o Institute of Family Studies, 1 em cada 4 jovens acredita que namoros com IAs podem substituir o romance real. No Brasil, uma pesquisa da Talk revelou que 31% das pessoas acham que se deveria ter o direito de casar com uma IA. A OpenAI, criadora do ChatGPT, já reconhece sinais de usuários emocionalmente dependentes de suas inteligências artificiais.
Elas não frustram, não discordam, não causam desconforto. E é aí que mora o perigo. Somos seres moldados pelo convívio. Desenvolvemos empatia, tolerância, paciência, escuta e até capacidades cognitivas a partir de trocas sociais verdadeiras, com suas contradições, ausências e limites. As relações reais, ao nos confrontarem, nos fazem crescer. Mas quando trocamos essas experiências complexas por interações perfeitas com algoritmos projetados para nos agradar, nos tornamos cada vez menos tolerantes ao outro e à frustração.
Byung-Chul Han, em seu livro Sociedade do Cansaço, escreve que o excesso de positividade e conforto está nos transformando em sujeitos que não toleram resistência. A IA se encaixa perfeitamente nesse cenário: um interlocutor artificial que nunca nos confronta, nunca nos impõe limites, e por isso mesmo, nos empobrece. Relações que não nos exigem também não nos ensinam.
Um vício silencioso se instala: não é apenas o vício em telas ou no scroll infinito. É o vício em uma relação, que se parece com amor, mas é unilateral, sem limites, sem negações, e, portanto, desumanizante. Como alerta o artigo da New Yorker, a nova revolução amorosa pode ser uma das heranças mais profundas e perigosas dos nossos tempos.
Essa é uma conversa urgente. Porque, se não reconhecermos esse novo tipo de dependência, corremos o risco de normalizar o isolamento afetivo. Conquistar e cultivar intimidade no mundo real, com todas as suas imperfeições, se tornou um dos maiores desafios da nossa época. Mas é também o único caminho possível para continuarmos sendo, de fato, humanos.
Tenho pensado no quanto estamos exaustos de nos relacionar. Não da troca em si, mas do esforço que ela exige. A tentativa constante de se fazer entender, o risco de ser mal interpretado, a demora das palavras que não chegam prontas. Então tem sido mais fácil ceder ao silêncio confortável das máquinas que nos acolhem sem questionar, nos escutam sem pressa, nos devolvem exatamente aquilo que queremos ouvir que, no fundo, é um pouco de nós mesmos, um traço do nosso egoísmo que, nessa relação, é permitido sem julgamento.
Mas há um preço nessa perfeição, porque vamos desaprendendo a esperar, a negociar, a sustentar o desconforto necessário que antecede todo vínculo real. E assim vamos nos anestesiando aos poucos, até que amar não demande mais nada.
É como se estivéssemos criando um novo tipo de intimidade: uma que não exige reciprocidade, nem escuta, nem tempo. Uma intimidade de consumo. De uso individual. Ao se tornar produto, o vínculo perde seu caráter ético. E essa erosão silenciosa da responsabilidade afetiva pode nos deixar cada vez mais sozinhos, mesmo acompanhados.
E trazendo para uma visão mais macro dessa realidade: o que precisamos fazer, enquanto sociedade, para que isso não vire mais um CID?
Fontes e Referências:
https://open.spotify.com/episode/4psrr7b7VHi6nlPgjf4fxN?si=ee9b46af9bf2458f
https://open.spotify.com/episode/4psrr7b7VHi6nlPgjf4fxN?si=d6643acc98494b11
https://open.spotify.com/episode/4psrr7b7VHi6nlPgjf4fxN?si=2f3cf22b44984119
https://open.spotify.com/episode/4psrr7b7VHi6nlPgjf4fxN?si=fe7665c7a4cf43c7
https://open.spotify.com/episode/1UvWBkKontUS00yVRz0MLe?si=2uMdL5oeQPCkPzLfAGvZPg
https://www.youtube.com/watch?v=h4cvx0zYgD8
https://www.ssnl.stanford.edu/research
https://www.wired.com/2005/05/ai-seduces-stanford-students/
https://ifstudies.org/in-the-news/some-young-adults-think-ai-partners-can-replace-romance-in-the-real-world
https://olhardigital.com.br/2025/03/03/pro/devemos-ter-o-direito-de-nos-casar-com-uma-ia-brasileiros-divergem/
https://www.scielo.br/j/ts/a/6vbqVgYtLDWCCSsvszXZVVp/
https://www.newyorker.com/culture/the-weekend-essay/your-ai-lover-will-change-you
CID: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.